Inquietações quanto à aplicação da lei de inelegibilidade levam o País a supor que antes dela não era preciso ser honesto.
Jader. Senador é recebido com festa por simpatizantes no Aeroporto Internacional de Belém (Foto: Antonio Cicero/Foto arena)
A validação pelo STF da eleição de um senador do Pará, nas eleições de 2010, que havia sido impugnado com base na chamada Lei da Ficha Limpa, propõe-nos o tema mais amplo da legitimidade dos mandatos e da relação entre a sociedade e o Estado. Ainda que extraviada nos casuísmos interpretativos, nascida de um projeto de iniciativa popular e, portanto, de um movimento social, a Lei da Ficha Limpa é uma das expressões do poder subjacente da sociedade civil em face do poder do Estado. Impõe-lhe regulação e limite. Torna-se coadjuvante do Legislativo quando os que têm mandato não reúnem as condições para viabilizar a proposição e aprovação de uma lei socialmente necessária.
Em si mesma, a Lei da Ficha Limpa representa o pleito da sociedade civil para que eleições não sejam interpretadas pelos políticos como renúncia ao direito cidadão de vigiar e regular o modo como a representam. Filtra moralmente a atribuição de mandatos. A Lei da Ficha Limpa cria condições e limitações morais à apresentação de candidaturas maculadas previamente por atos incompatíveis com a lisura de quem deva falar, votar e decidir em nome do povo. Essa lei instituiu a precedência cidadã da biografia limpa.
Desde então, no entanto, certa inquietação quanto ao exato critério da aplicação da lei tem posto o País diante da suposição de que antes da lei não era necessário ser honesto, só depois dela. Ainda assim, com prazo de carência de um ano para adoção da honestidade como medida de honradez política. Esse não é o espírito da lei proposta. Transfere-se, pois, para o Judiciário a tarefa de decidir a data de inauguração da honestidade política no País. Tarefa difícil, como se vê na Suprema Corte dividida, a ponto de ter sido necessário que seu presidente votasse como duas pessoas, exercendo o direito do voto de qualidade para desempatar a pendência
A demora, porém, não modificará o aspecto mais problemático desse caso. Segundo indicavam as pesquisas eleitorais de 2006, o presidente da República não seria reeleito justamente em decorrência do caso rumoroso. No entanto, o foi. O Bolsa Família, analisa o então porta-voz do governo, em estudo recente, assegurou que a opinião eleitoral a ser manifestada nas urnas fosse contrariada pelos benefícios dessa política. Que foi, de fato, de estatização do coronelismo conformista do voto de cabresto. Com o Bolsa Família, o governo Lula deu um golpe magistral na tradição iníqua e antidemocrática do voto de sujeição nos ermos e periferias do País. Literalmente, desapropriou dos régulos e mandões de província uma base eleitoral dócil e vulnerável de 40 milhões de eleitores. A gratidão e o medo de perder o benefício fácil atrela-os, agora, ao continuísmo oficial, tudo feito dentro das normas limpas e higiênicas da lei. Mas a medida tem seu preço, ao comprometer a rotação do poder entre os partidos e a possibilidade de que a gente diferenciada, como virou moda dizer, mantenha sua hegemonia política como autora do voto livre e supostamente esclarecido. O Estadão. COM.BR
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