Já não é de hoje que se questiona a postura e as atitudes das
pessoas diante da oportunidade de exercerem qualquer tipo de poder. Abrahan
Lincoln possivelmente nem estava sendo assim, tão original, pois certamente,
esta conclusão aconteceu muito antes dele. Mais do que o caráter, acredita-se
há muito tempo, que se pode conhecer toda a personalidade de uma pessoa,
observando a forma como ela lida com o poder que tem condições de exercitar.
Esta filosofia divulga e legitima a ideia de que, quando uma
pessoa tem a possibilidade de se impor aos demais, pode mostrar-se generosa ou
medíocre.
Os generosos são aqueles que sabem o quanto o poder é efêmero e
transitório. Atentos à sua condição provisória buscam sabedoria, porta-se com
humildade, são agregadores e, acima de tudo, são justos e honestos. Classe em
extinção, estas pessoas exercem o poder conscientes, durante todo o tempo, de
sua brevidade e de sua responsabilidade. Por não serem apegadas às condições
que o poder lhes traz, são, exatamente por isso, generosas na mais pura acepção
da palavra.
Já os medíocres (que infelizmente existem com certa fartura),
apegam-se ao poder como se este fosse inalienável. E quero aqui fazer um
pequeno intervalo – não estamos falando de poder verdadeiro, de governar
países, credos, facções ou equivalências. Falo dos pequenos e quase
imperceptíveis “poderes”. Daqueles que se fazem notar num pequeno campo de atuação,
mas que, exatamente por isso, embriagam seus detentores, dando-lhes a certeza
de que alcançam muito mais longe do que conseguem na verdade. Estes medíocres
poderosos fazem questão de tripudiar dos humildes e parecerem humildes perante
os poderosos, tendo ainda a coragem de se declararem humildes, e, na maioria
das vezes, profissionais. E reitero – na maioria das vezes nem é necessário
conceder-lhes tanto poder assim para que surjam luminosas, suas faces mais
medíocres.
Quem não conhece a história de pessoas, que sendo servis e
desprezadas no meio profissional, tornam-se carrascos diante dos familiares que
estão submetidos ao seu medíocre poder, ou ao contrário, do pai de família
dominado por uma dinâmica familiar que não lhe cede espaço e se torna o mais
carrasco chefe em seu trabalho, humilhando e subjugando seus
subordinados?
Quem, nas empresas, já não teve a experiência de conviver com
pessoas que eram pacíficas, alegres e bondosas e se transformaram de repente em
tiranas e inflexíveis, ao serem promovidas a chefes, gerentes ou diretores?
Quem não conhece pessoas recalcadas e inseguras que se tornam “corajosas” ao
receberem, ainda que de forma medíocre, um instrumento formal de “poder”?
E há ainda os “poderosos” de nascença. Estes independem do cargo para
mostrar a face arrogante do poder: Para eles, pouco valor tem as palestras,
cursos, seminários e mesmo a psicoterapia. Só a própria vida é capaz de
fazê-los mudar de postura – mas este é um longo e complicado processo ao qual
não vou me apegar aqui.
Nada torna o poder mais medíocre e intolerável, do que ter
condições de exercê-lo apenas em pequenas esferas, quando onde se queria
realmente tê-lo, se vive uma outra e muito diferente realidade.
Dessa forma, ouso acrescentar à famosa frase: Se quiser conhecer
realmente uma pessoa, dê-lhe poder e investigue junto àqueles que por algum
tipo de hierarquia, ainda que subjetiva, devem lhe prestar qualquer tipo de
obediência. Questione como é o seu relacionamento com elas. A resposta obtida
demonstrará com total fidelidade, as manifestações mais obscuras de seu
caráter.
Lord Acton, o historiador inglês, afirmou: “o poder tende a
corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. O mais interessante é
que, diante de um poder que não conheciam e que lhes foi outorgado modificando
o rumo de suas relações com os outros, algumas pessoas tendem a justificar suas
mediocridades se escondendo atrás de falácias do tipo: “sou franco e
transparente – falo o que tenho que falar na cara”, sou curto e grosso” ou “sou
extremamente profissional”. Trata-se de uma defesa contra o lado obscuro que
foi aflorado e que de certa forma ainda pode ser causa de vergonha. Estas
justificativas tentam legitimar as grosserias, indelicadezas, a falta de
educação e gentileza, e, o que é pior, a má vontade, a intolerância, a falta de
companheirismo, ou seja, a mediocridade.
Obter poder torna-se, assim, de certa forma, promover mudanças,
não as necessárias, infelizmente, mas as inevitáveis. Desde o modo de se vestir
à forma de tratar às pessoas. No trabalho, aqueles que recebem o poder tendem a
substituir os antigos companheiros, cercando-se daqueles que não o conheceram
enquanto subordinado e que, por isso tendem a legitimar mais rapidamente sua
nova condição de poder.
Outra mudança imediata diz respeito à forma de se expressar e
comunicar. A conversa pode se tornar autoritária e ameaças passam a fazer parte
do repertório. Se o poder adquirido está ligado a outro organismo ou pessoa,
este é citado a todo o tempo, como se fosse um ser onipresente, onipotente e
onisciente, pronto a vir autenticar o poder que está sendo exercido. Esta
mudança corrobora o que respondeu Maquiavel ao ser questionado se era melhor
ser amado que temido. O célebre autor de O príncipe não teve dúvida: "os
dois, mas se houver necessidade de escolha, é melhor ser temido do que
amado". Os medíocres poderosos acreditam piamente nessa máxima.
E por fim a mudança mais imponente: o fenômeno da
“desidentificação”. Aquelas pessoas que eram amigas e ofereciam apoio e aliança
ao que se tornou poderoso, passam a ser vistas como arquivos vivos dos seus
defeitos. Voltemos ao nosso pai de família – subalterno, humilhado, sem
expressão, ganha inesperadamente poder e visibilidade na empresa. Volta para
casa e começa a achar que está na hora de trocar de família.
O poder leva a pessoa a não se identificar mais com aqueles que
faziam parte de suas relações, sejam familiares, vizinhos ou colegas de
profissão.
E após estas mudanças, nada mais tem volta. O poder um dia acaba,
porque tudo acaba, e isso é certo, e o “poderoso” fica sem saber onde foi que
errou, culpando as pessoas, por serem incompetentes e incapazes de lhe
acompanharem em sua heróica e maravilhosa jornada.
Estes são os que esquecem que o poder não se manifesta pela
capacidade de controlar uma equipe, humilhando e “colocando cada um em seu
lugar”. O poder pode e deve ser reconhecido, avaliado e calculado pela
quantidade de justiça de que é capaz de praticar, pela sua capacidade de
promover a auto-estima em cada membro da equipe e pela felicidade de que é
capaz de impregnar na empresa.
Sem essa visão positiva do poder, vamos continuar a conviver com
os medíocres, que iludidos com sua efêmera parcela de poder, passam a vida
distribuindo autoritarismos e afetando vidas sem nenhum discernimento e
integridade, vivendo guiados por suas vaidades e egoísmos. Abraham Lincoln